sábado, 20 de agosto de 2011

Capítulo VIII

 Acordada, Laura ainda estava deitada, de olhos fechados. Ela queria entender o que havia acontecido. Lentamente, se sentou, puxou a coberta mais para si (um vento frio provocava um arrepio na sua espinha) e percebeu que na verdade não passava de um lençol muito fino e remendado. Seus ouvidos aguçados pela falta de visão, ouviam ao fundo vozes exaltadas, um gotejar próximo (podia sentir até os respingos nos braços) e a chuva la fora...
 "Será mesmo que tudo foi...um sonho?". Naquele momento, ela apertava mais e mais os olhos! Se recusava a aceitar o que era óbvio, tinha a esperança de voltar a dormir e acordar com os raios mornos de sol, e ouvir os pássaros ao longe!
Mas a voz macia de sua mãe a chamando para se juntar à ela em um café da manhã adorável, foi substituída por um forte bater na porta.
 - Laura, não me obrigue a entrar ai e tira-la da cama! Não vou chamar outra vez, menina!
 Certamente aquela não era sua mãe. " Não pode ser! Não,não,não!"
 Abriu os olhos. Seu coração saltava no peito, temendo o que veria a seguir. "Esse não pode ser meu quarto!". Em seu campo de visão havia uma janela fechada com grandes frestas entre a madeira gasta, as quais deixavam passar a água que vinha de fora. Do lado direito havia um pequeno armário, cujas portas pendiam, cansadas de tantos anos sem concerto. Tudo cheirava a mofo, havia muitas coisas jogadas no chão e o piso certamente estava imundo.
 Olhando para cima, Laura via um teto baixo e com uma pequena lampada apagada ao centro. Algumas goteiras cercavam sua cama, que por sinal estava forrada com papelão para enganar as costas para que não sentisse o estrado de madeira através do colchão muito fino. Resumindo, não havia nada ali que agrada-se a qualquer pessoa.
 Embora fosse doloroso, ela aceitava a cada segundo, que aquilo era a realidade. Não adiantava mais voltar a dormir ou ficar ali parada. Laura procurou um par de chinelos em baixo da cama, mas não encontrou. "Por que está acontecendo?!". Apertou o interruptor, mas a lampada não acendeu.
- Mãe?- disse ela, em um sussurro, ao abrir a porta - Pai?
 Ela saiu observando tudo ao redor, e em cada canto havia mais sujeira e objetos quebrados. Andando sem saber aonde ia, chegou a cozinha. Em cima da pia, um gato sem limpava descaradamente, e nem se importou com a chegada da garota. Ela procurava qualquer coisa reconhecível, qualquer resquício da vida que conhecia (em seu subconsciente).
- Tem alguém aqui?
 Chegou muito perto de uma porta, que estava fechada e colou os ouvidos para ver se ouvia algo do outro lado.  De repente a porta se abriu, e só não a atingiu porque ela se afastou rapidamente.
- O que você está fazendo ai, abobada?
- Mãe?
- Claro que sou sua mãe! O destino nem sempre é bom com a gente, sua infeliz!
 Realmente era a Dona Ana, porem uma bem mais envelhecida, descuidada e pelo visto, mau humorada.
- O que houve aqui, mãe?
- Como assim o que houve? Não vá me dizer que não ouviu o escândalo que seu pai fez?
- Eu, eu não ouvi nada, mas acordei com uns barulhos estranhos... mas, porque tudo está tão... tão... - não havia descrição para o que ela via.
- Vamos parar com essa conversa. Não adianta mais. Deixe ele ir embora! Não precisamos dele! Mas alguém tem que trabalhar nessa casa! Laura, vá procurar já um emprego!


Leitor, a historia não acaba aqui! 
Vire a Ampulheta e siga, continue!
Com sua imaginação, daqui pra frente,  você  faz o final! 

sábado, 7 de maio de 2011

CAPÍTULO VII


                                                                CAPÍTULO VII

Quando chutar pedrinhas e desenhar na terra com pauzinhos já não eram mais atividades atrativas, ela decidiu ir até a casa dele. Voltava com o sentimento oposto da ida: Raiva. Ele nunca havia deixado ela esperando! “Por que isso agora? Quanta falta de consideração!", ela só pensava, ao invés de estranhar que não tinha visto ninguém o dia todo, com exceção do seu gato.
 Ia de cabeça baixa, formulando um discurso em sua cabeça para quando encontrasse com Miguel. Uma forte ventania começava, as folhas eram arrancadas das arvores e voavam, vindo parar em sua cabeça. Laura levantou os olhos para o céu e achou melhor apressar o passo. Uma chuva estava a caminho, e já era possível ouvir os trovões. Era verdade que aquelas nuvens carregadas haviam chegado muito depressa até ali, pois antes a tarde estava clara e sem vestígios de um temporal. O pôr do sol só acentuou ainda mais a escuridão, e estranhamente os postes de luz das ruas não haviam ligado ainda.
 Laura caminhava rápido, sem parar para respirar. Não trouxera nenhum agasalho consigo, e mesmo agora o vento pouco a incomodava. Estava muito perturbada para pensar em qualquer coisa, queria respostas. O que quer que fosse que tivesse acontecido ela queria saber direto da boca de Miguel! Já avistava a casa dele, quando sentiu que estava sendo seguida.
 Havia uma única luz acessa em toda a casa, e era a luz da varanda. Ela lançou um olhar rápido para trás e vendo que não havia ninguém, subiu as escadinhas correndo e tocou a campainha. Silêncio. Tocou mais uma vez, e então chamou por Miguel em seguida. Enquanto esperava por alguma resposta do lado de dentro, ela sentiu o frio. Seus braços estavam gelados, e o vento uivava no telhado da casinha do amigo, que era velha e tinha muitas frestas entre as telhas.
 Esfregava os braços com as mãos para aquecê-los, e tocou a campainha mais umas três vezes. Desistiu. "Não ha mesmo ninguém em casa", finalmente se convenceu. A decepção tomou conta dela, teria que esperar até o dia seguinte para falar com ele. Tinha que voltar para casa, seus pais deviam estar preocupados. Quando descia as escadas, cabisbaixa, ouviu algo em cima do telhado da casa. Ignorou e seguiu em frente. Durante todo o caminho, sentiu que estava sendo seguida. "Não vou mais dar confiança a minha imaginação!", pensou ela. Mas por mais que tentasse não sentir o medo, ele estava chegando, do mesmo modo que ela percebia que o que quer que a seguisse estava cada vez mais perto.
 Foi apressando o passo, inconscientemente, da mesma forma como seus batimentos cardíacos estava acelerando. Quando se deu conta, já estava correndo, e sentindo as baforadas do seu perseguidor atrás de si! "Deixe-me em paz!", gritou Laura. Mas foi respondida por um rugido aterrorizante, que cortou sua alma e gelou seu coração!
 Entrou em seu quintal, com um relance percebeu que as luzes estavam todas apagadas. O desespero tomou conta de Laura. “Meus pais ainda não chegaram!". Ela correu até a porta da cozinha, e parou antes de bater contra ela. Procurou a chave em nos bolsos da calça, e com a pressa, deixou-as cair. A Coisa estava chegando! Ela abriu a porta e entrou correndo, sem ao menos fechá-la! Seguiu correndo pelo corredor, e parou em frente à porta da sala para ver o que a estava perseguindo. Não viu absolutamente nada, tudo o que seus olhos registraram foram as portas batendo e as toalhas e cortinas voando. “Está muito perto!". Laura correu o mais depressa que pode até seu quarto, e chegando lá, fechou a porta atrás de si, e a chaveou.
 Encontrou sua cama ainda desarrumada, e a janela entreaberta. As cortinas esvoaçavam com o vento que trazia chuva. Só pensando em escapar da fera que estava em seu encalço, Laura se enfiou em baixo dos cobertores, e cobriu-se com eles de maneira que apenas os olhos ficaram de fora. Com o pulso acelerado, os ouvidos aguçados, e as pupilas dilatadas, ela ficou imóvel, só se ouvia sua respiração acelerada, quando então seus olhos se depararam com algo inesperado e já esquecido. A ampulheta.
Quando acordara naquele dia, ela a tomara nas mãos, e observara seus grãos caindo e caindo, como sempre fazia todas as manhãs desde que a ganhara. Era o que a fazia pensar em Miguel logo ao acordar. Não se lembrava de tê-la deixado ali, no criado mudo, embora não fosse exatamente isso que chamava a sua atenção.
 Tudo o mais ficou quieto. Olhando para o movimento da areia, que chegava ao fim, ela se esqueceu de que estava fugindo de algo. Esqueceu-se de Miguel e da tempestade que se aproximava. Algo lhe passou pela cabeça pela primeira vez, e caíra sobre ela como a noite, escurecendo seus pensamentos. Se lia na base do objeto: “Ampulheta de 24h." Mas.. como era possível? Era difícil raciocinar com todo aquele barulho que seu coração fazia agora. "Como ela pode ser de um dia, se já faz mais tempo do que isso desde que eu a virei?". Laura a observava, ainda meio ofegante.
 Quando ela menos esperava, o ultimo grão caiu, e ao que pareceu, este se demorou mais, como se tivesse se agarrado ao apertado espaço de vidro, entre os dois pólos da ampulheta. O tempo acabara. O monte de areia brilhava aos olhos de Laura. "Eu imaginei esse momento.", lembrou-se. 
 Nada se compara aquele momento.. Ainda deitada em sua cama, ela viu todas as paredes de seu quarto se racharem, e começarem a desabar, o teto se consumiu em chamas, e um vento descomunal se apoderou de todos os objetos do cômodo. O chão se abriu, mostrando a Laura um abismo que parecia não ter fim! Sem ter tempo para qualquer reação, a menina se viu caindo no espaço vazio que abrira sob os pés da cama, e ao seu lado, caia a ampulheta! Em meio a gritos e choros de uma mulher, os mesmos que Laura ouvira outro dia chamando por seu nome, ela fechou os olhos pra não ver a escuridão em que estava entrando.
 A verdade então pesou sob seus ombros, e sem poder se defender dela de maneira alguma, abriu os olhos. Finalmente, Laura tinha acordado.

 


domingo, 1 de maio de 2011

Capitulo VI

 CAPITULO VI

 Gritos, choros, um céu escuro e muito medo. Isso era tudo que era possível distinguir entre a densa nevoa que cobria os sonhos de Laura. Algo a perseguia, mas ela não sabia o que era e também não tinha coragem de olhar para trás. Ela tropeçou e caiu, sentiu o liquido quente descer pelo joelho, mas a dor que ela esperava sentir, não veio. "Estou apenas sonhando." O céu pareceu cair, e então tudo ficou escuro como ele. Sem a lua, sem a coruja, só o mesmo medo de antes.


Quando o sol já estava alto no céu, e os pássaros que voavam agitados, assobiando e conversando entre si, prevendo chuvas, acordaram Laura de seu sono profundo. A garota sentia como se tivesse dormido por dias! Estava aliviada de ter acordado e acabado com os pesadelos. Demorara para conseguir dormir na noite anterior, o medo ainda habitava seu subconsciente e infestara seus sonhos. "Estranho. Por que ninguém veio me acordar?", pensou ela. Não se ouvia nenhum ruído pela casa.
  Espreguiçou-se, levantou-se, abriu a janela, e assim que o fez, lembrou-se da coruja da noite anterior. Procurou por ela, sentindo novamente os olhos vorazes da ave sobre os seus. “Claro que não estaria aqui... deve ter se escondido da claridade!".
 Um miado agudo surgiu por debaixo da janela. Era o gatinho de Laura. Raramente ele vinha por ali, preferindo as ruas ao carinho de seus donos, mas parecia disposto a ficar com ela, até que lhe desse comida. Molhado pelo orvalho que o fraco sol não conseguia evaporar, ele pulou a janela e foi se secar sobre os lençóis da cama.
 Sem ninguém em casa, Laura aproveitou para assistir televisão enquanto tomava seu café da manhã, com o gato aos seus pés. Ele se lambia, parecendo muito satisfeito com o lanche que recebera. Dona Ana não deixara nenhum bilhete avisando aonde fora, e nem quando voltaria. Isso não era muito comum. "Pode ter sido uma emergência", pensou Laura. "Mas se fosse, me chamariam. Não?".
 Ela resolveu não se preocupar mais com isso, e foi pegar um livro para ler. Esperava que Miguel ligasse para combinarem algo. Durante toda noite, só tivera um sonho bom, e o Miguel era o personagem principal. Pensando nisso, Laura nem percebeu que o telefone estava tocando. Quando o ouviu, correu procurá-lo!
- Bom dia, Laura! Demorou tanto que achei que ainda estivessem dormindo!- disse Miguel, com a mesma animação matinal de sempre!
- Não, eu acordei a pouco tempo!- Laura estava surpresa de que fosse ele- Acabei de pensar em você! Digo... de pensar em te ligar, sabe?
 Era engraçado como ela queria que não parecesse que ela pensava muito nele, gostava ou precisava muito dele para que seu dia fosse bom. Mas não conseguia esconder muito bem. Miguel já tinha percebido, mas preferia não corresponder, ou não comentar para que suas amizades não mudassem em nada! Porém, no fundo, ele se sentia da mesma maneira que ela.
- Vamos para lá! Depois do almoço e quando o sol já estiver mais quente, quem sabe não podemos até nadar antes de chegar ao Carvalho? Eu... preciso de dizer uma coisa, Laura.- fazer suspense não era algo típico dele. Miguel sempre estragava as surpresas por não conseguir ficar calado.
- O que é?
-Ora, só vou te contar quando estivermos lá!
Desligaram. Laura ficou eufórica! O que será que ele tinha para dizer? Algo a ver com o que ela também sentia? Será que finalmente ela poderia se abrir sem medo? Olhou para o relógio, mas ainda faltava muito tempo para a hora combinada, então resolveu se ocupar para passa o tempo mais rápido.
 Ela estava lendo seu livro, quando ouviu algo. Pensou que fossem seus pais, mas não havia ninguém a porta. Se voltou para a leitura, mas ouvia ao fundo um chiado, como uma chaleira fervendo. O som foi aumentando, aumentando, e por mais que Laura tentasse se concentrar na leitura foi ficando cada vez mais impossível ignorar o som. Largou o livro e tapou os ouvidos, o chiado agora era insuportável! Adentrava seus tímpanos como se houvesse uma abelha lá dentro!
 Levantou-se, olhou em volta, e seu gato que até então ainda estava se limpando, parou subitamente, e a encarou, com as pupilas tão dilatadas quanto era possível para um gato! Com o súbito olhar do felino, Laura assustou-se, e abaixou as mãos. O som havia cessado. O bichano parecia nem tê-lo ouvido. “O que será que foi isso?", pensou a menina.
 Laura sentou-se de novo, e voltou a ler. Percebeu que já era tarde, já passara da hora em que costumava almoçar com sua família, mas nada de seus pais voltarem! Procurou alguma sobra do jantar e comeu rapidamente. Estava tomando banho, havia posto o gato pra fora para ele não estragar o sofá com suas unhas, como sempre fazia quando não estava sendo vigiado. Uma sombra passou pela parede do banheiro, como se algo muito grande tivesse passado pela janela e tapado o sol por uns minutos. Laura desligou o chuveiro.
- Tem alguém ai?- gritou ela- Pai?Mãe?
Nada. Religou o chuveiro. “Mas essa semana está muito esquisita. Ando vendo muitas coisas, ouvindo vozes... o que está acontecendo comigo? Será que estou tão ansiosa assim por contar logo a Miguel o que sinto por ele, que estou ficando louca?", pensava enquanto a água morna molhava seus cabelos.
 Acabado o banho, enrolou-se na toalha e voltou-se para se olhar no espelho. Estava ficando uma moça muito bonita. Seus cabelos cobriam-lhe quase toda a costa com longos fios ondulados, sua boca dava-lhe um ar de graciosidade, mas seus olhos a contrariavam, exibindo a malicia que já despertava em seus pensamentos. Se admirar não era suficiente, ela queria ser admirada pelo menino que amava.
 Estava para sair do banheiro, quando algo se chocou contra a porta. Com o susto, Laura soltou um grito! Agora o que quer que fosse que estava do outro lado da porta, a arranhava, e grunhia, como se quisesse derrubá-la! Assustada demais para pensar em alguma coisa, Laura correu de volta para a parede, mas escorregou no piso molhado e caiu. De onde estava já era possível ver as garras do animal, perfurando a porta!
- Socorro!!! Alguém me ajude!- foi tudo o que ela conseguiu dizer!
Fechou os olhos, se apertou contra a fina toalha, e se encolheu no chão, em uma posição fetal. Mas, assim que o fez, o barulho cessou e deu lugar, a um fraco miado. Ela se levantou, cansada de levar esses sustos sem sentido, imaginando coisas sem fundamento algum, e abriu a porta sem pensar duas vezes! E lá estava o pequeno gatinho, que com certeza teria entrado pela janela da sala. "Não aguento mais! Devo mesmo estar ficando louca!".
Alguns minutos depois,Laura se encaminhava para O Carvalho, feliz e com altas expectativas. Seu gato a acompanhara até certo ponto, mas resolvera voltar, e ela seguia sozinha. Chegou até a grande árvore, e se sentou sob uma das raízes salientes sobre o solo. “Acho que cheguei cedo demais", pensou. Mas mesmo depois de uns trinta minutos da hora marcada, Miguel não chegava. Ela estava ficando preocupada. "Será que ele desistiu? Será que ficou arrependido de ter dito que iria me dizer algo? Mesmo se for, ele terá que me dizer agora!". Laura pensava muitas coisas. Mas o sol já estava bem baixinho no horizonte, e ela ainda não desistira de esperar por ele.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Capitulo V

                                                              
                                                                 CAPÍTULO V

 Apoiada na janela, olhando o céu estrelado, Laura pensava no seu dia. Tinha sido muito divertido, na verdade. Mas era mais do que isso, ela estava começando a perceber o que realmente sentia quando estava junto do Miguel. Eles passaram o dia conversando, mas ela tinha a impressão de que os assuntos nunca acabariam, e que todo tempo do mundo não seria suficiente.
 E era nisso que ela estava pensando quando ouviu um chiado, como se alguém estivesse sussurrando seu nome. Todos na casa já dormiam. As luzes das casas da vizinhança estavam todas apagadas. Em meio à fraca luz do poste, Laura procurou alguém na rua... Mas estava completamente deserta.
 A garota então se convenceu de que não era nada, e voltava a observar os astros, quando ouviu de novo, uma voz muito aguda, chamando seu nome. Agora ouvira claramente, e o som viera da casa da frente. Levou um susto enorme quando seus olhos se encontraram com outros, muito grandes e amarelos, como faróis na escuridão.
 Uma coruja estava pousada no telhado da outra casa. Com as asas fechadas, o peito rajado, estufado. Suas pupilas dilatadas ao máximo faziam movimentos rápidos, acompanhando a cabeça que se movia de um lado para o outro, a procura de alguma presa. Por um segundo a ave se deteu olhando Laura, mas logo achou o que devia estar procurando, como pensou Laura, pois se preparou para alçar vôo.
 Suas asas se abriram e mostravam que ela era bem maior do que a menina imaginava. Deu um rasante perfeito, mas ao invés de pegar algum roedor do chão, ou simplesmente pousar na calçada, ela subiu novamente, batendo as asas furtivamente deu meia volta. Quando Laura se deu conta do que a ave pretendia era quase tarde demais. A última imagem que registrou da rapina foram os olhos amarelos arregalados, de aparência feroz, o som de suas asas e o pio agudo, antes de fechar a janela para impedir que a coruja entrasse em seu quarto!
 Ouviu o baque surdo do pássaro e ao que pareceu, a ave deu mais algumas investidas contra a janela de madeira. Laura correu para sua cama e ficou embaixo do cobertor de maneira que este cobrisse seus olhos, e tampou os ouvidos com as mãos para não ouvir mais os chiados da coruja lá fora. Mas naquela noite, demorou muito para conseguir dormir. Sonhou coisas horríveis com vozes que chamavam seu nome entre pios e sussurros, e com aqueles olhos amarelos, agourentos e frios.

domingo, 3 de abril de 2011

Capitulo IV

                                                           CAPÍTULO IV

Vultos, sons abafados... Laura corre, mas não sabe do que. Tudo muito estranho. Por mais que se empenhasse muito em ir para frente, era muito difícil. Parecia que algo a segurava, algo que ela não podia ver ou sentir. Viu Miguel acenando, em suas mãos a ampulheta, mas não conseguia ir até lá, e, nesse momento, tudo começou a ficar mais e mais distante. Um exponencial de barulho e gritos começou a crescer e culminou num silêncio. Escuro.
 Um ar frio tocou os pés de Laura, seus olhos pareciam muito pesados e não conseguiu abri-los completamente. Viu um teto descascado, uma lâmpada sem lustre, um cobertor furado, móveis velhos. Percebeu que aquele parecia muito o seu quarto, mas não podia ser. Suas coisas não estavam lá, nem seus presentes ou sua ampulheta. Pensou em levantar, mas seus olhos estavam se fechando sozinhos e a ultima coisa que ouviu foi o estrondo de uma porta batendo em algum lugar da casa e, logo em seguida, o choro de uma mulher.


 Como sempre, o sol já entrava pelas frestinhas da janela, iluminando a silhueta das coisas no quarto o cheirinho de dia novo vinha acompanhado de uma brisa fresca. A fina areia ainda caia sutilmente, o teto novinho e o lustre no lugar. “É, parece tudo normal. Esse negócio de sonho dentro de sonho é coisa de filme... Muito confuso pra mim...”- pensou Laura enquanto jogava seu cobertor de lado e saltava da cama.
Planejou muitas coisas para aquele dia e uma delas era ver Miguel, mas ao olhar para sua estante, estagnou-se. Sentou de volta na cama.
Uma frase bem feita pode gerar muito impacto em um leitor, a ponto de fazê-lo refletir sobre aquelas palavras por dias. O cartão que acompanhava a ampulheta, definitivamente, mexeu com Laura. Fez uma confusão em sua cabeça. Qual é o limite que separa a amizade de uma paixão, de um amor?
Pensou em não pensar muito nisso, mas só pensou. Logo em seguida, resolveu fazer as outras coisas em outra hora, e foi ver Miguel antes de mais nada. No caminho, não parou de pensar um segundo nele. Estava realmente muito feliz.
 Assim que Laura o chamou pra sair, ele sugeriu que fossem para o lugar costumeiro: o grande Carvalho. Seus galhos majestosos se erguiam sobre eles, suas folhas balançavam muito suavemente sobre a suave brisa que refrescava a tarde quente. O céu estava muito azul, tudo parecia perfeito aos olhos dos dois. “Não dever haver lugar mais lindo do que esse”- pensavam.
 Eles olhavam para cima, conversando coisas aleatórias. Ela, na verdade, queria comentar sobre o cartão, mas, não sabia bem o que dizer.
- Obrigada pelo presente!- disse ela, quase sussurrando.
- Não foi nada! –respondeu ele com um sorriso meio encabulado- você merecia algo melhor!
- Não acho isso, eu amei a ampulheta! Observar os grãos caindo e caindo me dá muita calma, como se tudo estivesse mais devagar... Mas na verdade, gostei mesmo foi do cartão!
 Um silêncio constrangedor se seguiu. Nenhum dos dois sabia o que deveria ser dito. Até aquele momento, eles nunca haviam parado para pensar no sentimento que nascia de sua amizade. Entretanto, parecia que Miguel não queria falar sobre aquilo, então logo já foi perguntando sobre as outras coisas que Laura havia ganhado na festa e com isso surgiram tantos outros assuntos que eles passaram o resto do dia conversando e rindo.
Uma linda noite chegou e os dois, cada um já em sua casa, 
foram observar a lua e as estrelas antes de dormirem, como sempre faziam. Ele viu uma paisagem mais linda do que esperava, já Laura...


Mapa do caminho da casa de Laura e Miguel até o Carvalho.






terça-feira, 29 de março de 2011

Capitulo III

                                                       CAPÍTULO III

  Laura soltou todo o ar de seus pulmões, encostou o ouvido na porta para ver se conseguia ouvir algo vindo de fora. Nesse momento as batidas recomeçaram. Mas não eram ameaçadoras, e sim sutis. Reunindo toda sua coragem, desencostou-se da porta e a abriu. Pela fresta ela viu o rosto que lhe era familiar.
- Filha! Eu vi você correndo para casa! Está tudo bem?
 A voz carinhosa da mãe era reconfortante! Abriu totalmente a porta e se jogou nos braços dela em um abraço apertado. Dona Ana perguntou o que havia acontecido, mas a menina ainda estava muito assustada para dizer algo que fizesse sentido. Laura recuperou o fôlego, mas se negou a falar sobre o ocorrido. “Não foi nada, mãe!”, dizia ela, “Eu me assustei a toa”. Mas na verdade ela não queria que sua mãe ficasse preocupada, e além do mais, talvez tivesse sido apenas sua imaginação.
 Dona Ana achou que o melhor a fazer era mudarem de assunto. Demorou um pouco pra Laura se acalmar de verdade, mas enquanto isso elas começaram a arrumar a casa. Os convidados logo chegariam, faltavam poucos minutos para a festa. Ansiosa para a chegada dos amigos, Laura passava toda hora em frente à janela da sala para ver se via alguém. Em uma dessas espiadas, teve a impressão de ver um par de olhos a encarando, atrás das árvores.  Mas procurou dispersar esse pensamento. “Deve ser só mais uma alucinação!”, pensou ela, a final já estava escuro lá fora seria difícil ela definir qualquer coisa com certeza.
 As luzes do quintal da casa começaram a se acender. Um a um todos os seus colegas foram chegando, e Miguel, claro, foi o primeiro! Trazia consigo uma caixinha de madeira, embrulhada em papel transparente com um lindo laço vermelho. Ele parecia envergonhado, isso porque ele não queria que Laura lesse o cartão enquanto ele estivesse ali. Então ela guardou o embrulho num canto, e foram esperar os outros convidados na varanda.
A noite estava linda e todos se divertiam muito! Havia muita comida, e o bolo estava delicioso! Tocava uma música animada, quase todos os convidados dançavam. Depois que estavam muito cansados, Laura e Miguel se sentaram em um canto. Deitaram-se na grama de maneira que ficaram lado a lado, observando as estrelas. Faziam muito isso. Não tinham nada que dizer, mas ambos estavam muito felizes, talvez mais felizes do que nunca.
  Quando a lua já estava muito alta no céu, as pessoas começaram a ir, aos poucos, cada um pra sua casa. Laura nunca havia ganhado tantos presentes! Mas estava muito curiosa para abrir um em especial! Logo que todos já tinham ido embora (inclusive Miguel) ela correu até seu quarto para ver o que seu melhor amigo tinha lhe comprado.
 Não sabia o que esperar, mas se surpreendeu mesmo assim! “Uma ampulheta!”. Ao tirar o papel de embrulho, algo caiu de dentro. O cartão. Ela pensava muitas coisas de Miguel, ela o considerava diferente dos outros meninos, um amigo muito especial! Mas após ler o que ele havia escrito, por um momento desejou que eles fossem mais do que amigos.
 Voltou sua atenção para a ampulheta que segurava nas mãos. Dentro dela havia uma areia muito fina e clara. Na base inferior, estavam gravadas as palavras “Ampulheta de um dia”. Virou-a e a pousou sobre o móvel, ao lado de sua cama. Ficou observando por uns minutos, o movimento dos grãos era bem lento. Imaginou se estaria olhando quando o último caísse.
 Deitou-se e, ao fechar os olhos, uma seqüência de imagens horripilantes passou por sua mente. “Não pode ter sido verdade, Laura. Aquilo não aconteceu, não poderia acontecer... é tudo sua imaginação” – disse a si mesmo várias vezes até pegar no sono.
 A areia descia sem barulho, porém, traiçoeiramente, contava o tempo de Laura.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Capitulo II

                                  


                                                               CAPÍTULO II

  O sol estava bem baixo, as pessoas voltavam do trabalho, todos animados, pois logo estariam em suas casas. Laura ia assobiando, pensando na festa que a aguardava. Na sua rua não havia ninguém passando naquele momento, os primeiros postes de luz já começavam a se acender. Ela olhou para trás. Por um momento pensou ter ouvido alguém chamar seu nome, mas não havia ninguém. Uma brisa cortava o silêncio, e um arrepio passou pelo seu corpo. “Estranho, não costuma ficar frio nessas horas do dia”, pensou ela.
   Quando já avistava sua casa, Laura apressou o passo. Tudo o que ela ouvia era o som de sua respiração e o farfalhar das folhas das árvores. Sentia seu pulso acelerado, olhava toda hora para trás, mas quando se voltou para frente, parou de andar subitamente. Parado, a alguns metros de distância havia um enorme cachorro preto que a encarava ferozmente. Mesmo de longe era possível ouvir o seu rosnado. Laura recuou alguns passos, mas o cão não se moveu nem um centímetro, e nem deixou de encará-la. Ela olhou ao redor para ver se havia alguém que pudesse ajudá-la. Não havia ninguém, mas ao voltar o olhar para onde estava o animal, não havia mais nada.
 Pensando que tivera apenas uma alucinação, ela continuou sua caminhada entre as árvores. Laura tentou se concentrar nas batidas do seu coração para não pensar no que tinha visto, mas não adiantou. Ouviu uma voz. Mas dessa vez ela não olhou para trás. Três vezes ela ouviu chamarem seu nome, uma mulher o gritava como se estivesse chorando desesperadamente. Muito assustada, ela começou a correr! Atrás de si, Laura ouvia um barulho nas folhas do chão, como se algo corresse atrás dela, como se algo com quatro patas avançasse em sua direção. Sem coragem para olhar, corria o mais depressa que podia, olhando apenas para frente. “Está chegando muito perto!”, pensou ela com um terror avassalador. Ela podia sentir o bafo quente do animal em suas pernas, e seus rosnados ferozes. Correu entre as árvores até que chegou ao seu jardim. Sem parar para chamar por alguém, Laura pulou a cerca, abriu a porta da cozinha, entrou e a fechou atrás de si trancando com a chave.
 Pensou que ali estaria em segurança, não precisava mais temer o animal. Ainda encostada de costas na porta, Laura foi escorregando até sentar-se no chão. Ofegante, ela tentava entender o que acontecera. “Nada disso faz sentido!”, ela sabia. Não havia animais como aquele por ali, e nunca fora de ouvir vozes! Mas seus pensamentos foram interrompidos quando começam fortes batidas na porta.




sábado, 19 de março de 2011

"A Ampulheta" é uma história  de suspense, medos, alegrias e acima de tudo sonhos. Ela está dividida em capítulos, os quais serão postados toda semana. Acompanhe essa narrativa que tem um final surpreendente.

Trailer de abertura

CAPÍTULO I 

  imaginou um lugar onde tudo pode acontecer segundo sua vontade? Provavelmente você não iria querer sair de lá nunca mais. Mas e se sair não dependesse de você? E depois de um tempo preso lá, não saber mais se o que está vivendo é realidade ou fantasia? Já imaginou?

 Quantos aniversários você faz por ano? Laura sempre fez apenas um e aquele era o seu dia.  Os raios do sol já entravam pelas frestas da sua janela, lá fora devia haver um céu muito azul - ela imaginava. Levantou-se e foi em direção ao espelho. Seus cachos negros, bagunçados imitavam a rosa dos ventos. Controlou-os com um lacinho, e continuou a analisar a imagem. Seus traços, seus olhos e boca, estavam diferentes. Algo havia mudado naquela noite. Em passos firmes, Laura abriu a sua janela e se deparou com o lindo dia que ela já esperava.
 Ela era uma menina alegre, feliz e sobretudo amiga. Era conhecida por todos de sua cidade por sua gentileza. Sem duvida era também muito bonita, mas ainda não se dava conta disso.
 Dona Ana, sua mãe, a esperava na cozinha com um delicioso café da manhã, e seu Joaquim lia um jornal na varanda. Eram pais muito presentes na vida da filha, nada lhe deixavam faltar. Viviam só os três na pequena casa de campo, naquela cidade do interior.
- Um belo café, para um belo dia... – disse enquanto beijava sua mãe e acenava para seu pai.
- E uma bela festa para uma bela menina!- respondeu Dona Ana, toda alegre com o carinho matutino da filha.
- É melhor chamar bastante gente – falou seu Joaquim enquanto fechava o jornal- Vai ter bastante comida!
Sorrisos e gentilezas pairavam sobre o ar. Aquela definitivamente era uma das manhãs mais felizes do ano.
Após o café, ligou para todos os seus amigos e todos aceitaram seu convite, aquela festa iria lotar com todos os jovens da cidade! Por ultimo, ligou para Miguel e aí sim demorou um pouco mais. Quando desligou:
-Deixe-me adivinhar –Joaquim olhava por cima dos óculos- vai ver Miguel antes do almoço?
-Sim, sim! -Disse já na porta e saindo.
 De todos os seus amigos, o que Laura mais gostava  era Miguel. Ele não era necessariamente bonito mas fazia os dias mais alegres e os momentos mais emocionantes. Ela crescera ao lado dele, sabia seus medos, seus sonhos e tudo que um irmão conhece no outro sem ser necessário que este lhe fale.
 Passavam todos os dias juntos, e quando não haviam outros colegas, eles iam a um lugar que só eles conheciam. Era preciso atravessar o lago e caminhar alguns minutos por entre as árvores, até chegarem a um imenso e velho carvalho. Ali sob suas folhas, matavam o tempo, rindo e brincando, sem que a sombra cobrisse o sol que havia dentro deles.
- Hoje será o melhor dia da minha vida!- pensou ela enquanto se encaminhava para a casa de Miguel.

 Logo encontrou Miguel, mas eles ficaram pouco juntos aquela tarde, pois precisavam ir embora e se prepararem para a grande noite. Ele sabia que precisava comprar um presente para Laura, afinal ela era muito especial para ele, então merecia algo igualmente especial!
 Após se despedirem, ela tomou seu rumo costumeiro para casa e ele correu pegar a quantia de moedas que guardava em seu quarto. Na cidade ele entrou em muitas lojas, mas não tinha idéia do que ela gostaria de ganhar, e tudo o que achava ideal era muito caro para que ele pudesse pagar!
 Já estava quase desistindo quando entrou em uma loja de variedades, vasculhou cada estante, cada canto, mas não viu nada que lhe chamasse atenção. Então seus olhos encontraram uma caixa de madeira escondida em um canto atrás de outras caixas prateadas. Dentro dela havia uma ampulheta. Era bem simples, ainda mais em meio a tantas coisas caríssimas. "Talvez ela goste de ganhar algo assim"- ele pensou. Além do mais ele conseguiria pagar e ainda sobraria algumas moedas, assim poderia compra um cartão. 
 Pediu para que a vendedora embrulhasse o presente, e escolheu um pequeno cartão, onde ele escreveu: "Queria te dar algo mais especial do que isso, mas espero que toda vez que você olhar para essa ampulheta se lembre do tempo que passamos juntos".