sábado, 7 de maio de 2011

CAPÍTULO VII


                                                                CAPÍTULO VII

Quando chutar pedrinhas e desenhar na terra com pauzinhos já não eram mais atividades atrativas, ela decidiu ir até a casa dele. Voltava com o sentimento oposto da ida: Raiva. Ele nunca havia deixado ela esperando! “Por que isso agora? Quanta falta de consideração!", ela só pensava, ao invés de estranhar que não tinha visto ninguém o dia todo, com exceção do seu gato.
 Ia de cabeça baixa, formulando um discurso em sua cabeça para quando encontrasse com Miguel. Uma forte ventania começava, as folhas eram arrancadas das arvores e voavam, vindo parar em sua cabeça. Laura levantou os olhos para o céu e achou melhor apressar o passo. Uma chuva estava a caminho, e já era possível ouvir os trovões. Era verdade que aquelas nuvens carregadas haviam chegado muito depressa até ali, pois antes a tarde estava clara e sem vestígios de um temporal. O pôr do sol só acentuou ainda mais a escuridão, e estranhamente os postes de luz das ruas não haviam ligado ainda.
 Laura caminhava rápido, sem parar para respirar. Não trouxera nenhum agasalho consigo, e mesmo agora o vento pouco a incomodava. Estava muito perturbada para pensar em qualquer coisa, queria respostas. O que quer que fosse que tivesse acontecido ela queria saber direto da boca de Miguel! Já avistava a casa dele, quando sentiu que estava sendo seguida.
 Havia uma única luz acessa em toda a casa, e era a luz da varanda. Ela lançou um olhar rápido para trás e vendo que não havia ninguém, subiu as escadinhas correndo e tocou a campainha. Silêncio. Tocou mais uma vez, e então chamou por Miguel em seguida. Enquanto esperava por alguma resposta do lado de dentro, ela sentiu o frio. Seus braços estavam gelados, e o vento uivava no telhado da casinha do amigo, que era velha e tinha muitas frestas entre as telhas.
 Esfregava os braços com as mãos para aquecê-los, e tocou a campainha mais umas três vezes. Desistiu. "Não ha mesmo ninguém em casa", finalmente se convenceu. A decepção tomou conta dela, teria que esperar até o dia seguinte para falar com ele. Tinha que voltar para casa, seus pais deviam estar preocupados. Quando descia as escadas, cabisbaixa, ouviu algo em cima do telhado da casa. Ignorou e seguiu em frente. Durante todo o caminho, sentiu que estava sendo seguida. "Não vou mais dar confiança a minha imaginação!", pensou ela. Mas por mais que tentasse não sentir o medo, ele estava chegando, do mesmo modo que ela percebia que o que quer que a seguisse estava cada vez mais perto.
 Foi apressando o passo, inconscientemente, da mesma forma como seus batimentos cardíacos estava acelerando. Quando se deu conta, já estava correndo, e sentindo as baforadas do seu perseguidor atrás de si! "Deixe-me em paz!", gritou Laura. Mas foi respondida por um rugido aterrorizante, que cortou sua alma e gelou seu coração!
 Entrou em seu quintal, com um relance percebeu que as luzes estavam todas apagadas. O desespero tomou conta de Laura. “Meus pais ainda não chegaram!". Ela correu até a porta da cozinha, e parou antes de bater contra ela. Procurou a chave em nos bolsos da calça, e com a pressa, deixou-as cair. A Coisa estava chegando! Ela abriu a porta e entrou correndo, sem ao menos fechá-la! Seguiu correndo pelo corredor, e parou em frente à porta da sala para ver o que a estava perseguindo. Não viu absolutamente nada, tudo o que seus olhos registraram foram as portas batendo e as toalhas e cortinas voando. “Está muito perto!". Laura correu o mais depressa que pode até seu quarto, e chegando lá, fechou a porta atrás de si, e a chaveou.
 Encontrou sua cama ainda desarrumada, e a janela entreaberta. As cortinas esvoaçavam com o vento que trazia chuva. Só pensando em escapar da fera que estava em seu encalço, Laura se enfiou em baixo dos cobertores, e cobriu-se com eles de maneira que apenas os olhos ficaram de fora. Com o pulso acelerado, os ouvidos aguçados, e as pupilas dilatadas, ela ficou imóvel, só se ouvia sua respiração acelerada, quando então seus olhos se depararam com algo inesperado e já esquecido. A ampulheta.
Quando acordara naquele dia, ela a tomara nas mãos, e observara seus grãos caindo e caindo, como sempre fazia todas as manhãs desde que a ganhara. Era o que a fazia pensar em Miguel logo ao acordar. Não se lembrava de tê-la deixado ali, no criado mudo, embora não fosse exatamente isso que chamava a sua atenção.
 Tudo o mais ficou quieto. Olhando para o movimento da areia, que chegava ao fim, ela se esqueceu de que estava fugindo de algo. Esqueceu-se de Miguel e da tempestade que se aproximava. Algo lhe passou pela cabeça pela primeira vez, e caíra sobre ela como a noite, escurecendo seus pensamentos. Se lia na base do objeto: “Ampulheta de 24h." Mas.. como era possível? Era difícil raciocinar com todo aquele barulho que seu coração fazia agora. "Como ela pode ser de um dia, se já faz mais tempo do que isso desde que eu a virei?". Laura a observava, ainda meio ofegante.
 Quando ela menos esperava, o ultimo grão caiu, e ao que pareceu, este se demorou mais, como se tivesse se agarrado ao apertado espaço de vidro, entre os dois pólos da ampulheta. O tempo acabara. O monte de areia brilhava aos olhos de Laura. "Eu imaginei esse momento.", lembrou-se. 
 Nada se compara aquele momento.. Ainda deitada em sua cama, ela viu todas as paredes de seu quarto se racharem, e começarem a desabar, o teto se consumiu em chamas, e um vento descomunal se apoderou de todos os objetos do cômodo. O chão se abriu, mostrando a Laura um abismo que parecia não ter fim! Sem ter tempo para qualquer reação, a menina se viu caindo no espaço vazio que abrira sob os pés da cama, e ao seu lado, caia a ampulheta! Em meio a gritos e choros de uma mulher, os mesmos que Laura ouvira outro dia chamando por seu nome, ela fechou os olhos pra não ver a escuridão em que estava entrando.
 A verdade então pesou sob seus ombros, e sem poder se defender dela de maneira alguma, abriu os olhos. Finalmente, Laura tinha acordado.

 


domingo, 1 de maio de 2011

Capitulo VI

 CAPITULO VI

 Gritos, choros, um céu escuro e muito medo. Isso era tudo que era possível distinguir entre a densa nevoa que cobria os sonhos de Laura. Algo a perseguia, mas ela não sabia o que era e também não tinha coragem de olhar para trás. Ela tropeçou e caiu, sentiu o liquido quente descer pelo joelho, mas a dor que ela esperava sentir, não veio. "Estou apenas sonhando." O céu pareceu cair, e então tudo ficou escuro como ele. Sem a lua, sem a coruja, só o mesmo medo de antes.


Quando o sol já estava alto no céu, e os pássaros que voavam agitados, assobiando e conversando entre si, prevendo chuvas, acordaram Laura de seu sono profundo. A garota sentia como se tivesse dormido por dias! Estava aliviada de ter acordado e acabado com os pesadelos. Demorara para conseguir dormir na noite anterior, o medo ainda habitava seu subconsciente e infestara seus sonhos. "Estranho. Por que ninguém veio me acordar?", pensou ela. Não se ouvia nenhum ruído pela casa.
  Espreguiçou-se, levantou-se, abriu a janela, e assim que o fez, lembrou-se da coruja da noite anterior. Procurou por ela, sentindo novamente os olhos vorazes da ave sobre os seus. “Claro que não estaria aqui... deve ter se escondido da claridade!".
 Um miado agudo surgiu por debaixo da janela. Era o gatinho de Laura. Raramente ele vinha por ali, preferindo as ruas ao carinho de seus donos, mas parecia disposto a ficar com ela, até que lhe desse comida. Molhado pelo orvalho que o fraco sol não conseguia evaporar, ele pulou a janela e foi se secar sobre os lençóis da cama.
 Sem ninguém em casa, Laura aproveitou para assistir televisão enquanto tomava seu café da manhã, com o gato aos seus pés. Ele se lambia, parecendo muito satisfeito com o lanche que recebera. Dona Ana não deixara nenhum bilhete avisando aonde fora, e nem quando voltaria. Isso não era muito comum. "Pode ter sido uma emergência", pensou Laura. "Mas se fosse, me chamariam. Não?".
 Ela resolveu não se preocupar mais com isso, e foi pegar um livro para ler. Esperava que Miguel ligasse para combinarem algo. Durante toda noite, só tivera um sonho bom, e o Miguel era o personagem principal. Pensando nisso, Laura nem percebeu que o telefone estava tocando. Quando o ouviu, correu procurá-lo!
- Bom dia, Laura! Demorou tanto que achei que ainda estivessem dormindo!- disse Miguel, com a mesma animação matinal de sempre!
- Não, eu acordei a pouco tempo!- Laura estava surpresa de que fosse ele- Acabei de pensar em você! Digo... de pensar em te ligar, sabe?
 Era engraçado como ela queria que não parecesse que ela pensava muito nele, gostava ou precisava muito dele para que seu dia fosse bom. Mas não conseguia esconder muito bem. Miguel já tinha percebido, mas preferia não corresponder, ou não comentar para que suas amizades não mudassem em nada! Porém, no fundo, ele se sentia da mesma maneira que ela.
- Vamos para lá! Depois do almoço e quando o sol já estiver mais quente, quem sabe não podemos até nadar antes de chegar ao Carvalho? Eu... preciso de dizer uma coisa, Laura.- fazer suspense não era algo típico dele. Miguel sempre estragava as surpresas por não conseguir ficar calado.
- O que é?
-Ora, só vou te contar quando estivermos lá!
Desligaram. Laura ficou eufórica! O que será que ele tinha para dizer? Algo a ver com o que ela também sentia? Será que finalmente ela poderia se abrir sem medo? Olhou para o relógio, mas ainda faltava muito tempo para a hora combinada, então resolveu se ocupar para passa o tempo mais rápido.
 Ela estava lendo seu livro, quando ouviu algo. Pensou que fossem seus pais, mas não havia ninguém a porta. Se voltou para a leitura, mas ouvia ao fundo um chiado, como uma chaleira fervendo. O som foi aumentando, aumentando, e por mais que Laura tentasse se concentrar na leitura foi ficando cada vez mais impossível ignorar o som. Largou o livro e tapou os ouvidos, o chiado agora era insuportável! Adentrava seus tímpanos como se houvesse uma abelha lá dentro!
 Levantou-se, olhou em volta, e seu gato que até então ainda estava se limpando, parou subitamente, e a encarou, com as pupilas tão dilatadas quanto era possível para um gato! Com o súbito olhar do felino, Laura assustou-se, e abaixou as mãos. O som havia cessado. O bichano parecia nem tê-lo ouvido. “O que será que foi isso?", pensou a menina.
 Laura sentou-se de novo, e voltou a ler. Percebeu que já era tarde, já passara da hora em que costumava almoçar com sua família, mas nada de seus pais voltarem! Procurou alguma sobra do jantar e comeu rapidamente. Estava tomando banho, havia posto o gato pra fora para ele não estragar o sofá com suas unhas, como sempre fazia quando não estava sendo vigiado. Uma sombra passou pela parede do banheiro, como se algo muito grande tivesse passado pela janela e tapado o sol por uns minutos. Laura desligou o chuveiro.
- Tem alguém ai?- gritou ela- Pai?Mãe?
Nada. Religou o chuveiro. “Mas essa semana está muito esquisita. Ando vendo muitas coisas, ouvindo vozes... o que está acontecendo comigo? Será que estou tão ansiosa assim por contar logo a Miguel o que sinto por ele, que estou ficando louca?", pensava enquanto a água morna molhava seus cabelos.
 Acabado o banho, enrolou-se na toalha e voltou-se para se olhar no espelho. Estava ficando uma moça muito bonita. Seus cabelos cobriam-lhe quase toda a costa com longos fios ondulados, sua boca dava-lhe um ar de graciosidade, mas seus olhos a contrariavam, exibindo a malicia que já despertava em seus pensamentos. Se admirar não era suficiente, ela queria ser admirada pelo menino que amava.
 Estava para sair do banheiro, quando algo se chocou contra a porta. Com o susto, Laura soltou um grito! Agora o que quer que fosse que estava do outro lado da porta, a arranhava, e grunhia, como se quisesse derrubá-la! Assustada demais para pensar em alguma coisa, Laura correu de volta para a parede, mas escorregou no piso molhado e caiu. De onde estava já era possível ver as garras do animal, perfurando a porta!
- Socorro!!! Alguém me ajude!- foi tudo o que ela conseguiu dizer!
Fechou os olhos, se apertou contra a fina toalha, e se encolheu no chão, em uma posição fetal. Mas, assim que o fez, o barulho cessou e deu lugar, a um fraco miado. Ela se levantou, cansada de levar esses sustos sem sentido, imaginando coisas sem fundamento algum, e abriu a porta sem pensar duas vezes! E lá estava o pequeno gatinho, que com certeza teria entrado pela janela da sala. "Não aguento mais! Devo mesmo estar ficando louca!".
Alguns minutos depois,Laura se encaminhava para O Carvalho, feliz e com altas expectativas. Seu gato a acompanhara até certo ponto, mas resolvera voltar, e ela seguia sozinha. Chegou até a grande árvore, e se sentou sob uma das raízes salientes sobre o solo. “Acho que cheguei cedo demais", pensou. Mas mesmo depois de uns trinta minutos da hora marcada, Miguel não chegava. Ela estava ficando preocupada. "Será que ele desistiu? Será que ficou arrependido de ter dito que iria me dizer algo? Mesmo se for, ele terá que me dizer agora!". Laura pensava muitas coisas. Mas o sol já estava bem baixinho no horizonte, e ela ainda não desistira de esperar por ele.